Avançar para o conteúdo principal

Ela espera que ele um dia poise nos seus olhos

Ele vive o amor por ela como se fosse um maquinal funcionário público com a obsessão pela obrigação de cumprir uma infindável lista de deveres que ele próprio criou e todos os dias está mais cheia de palavras.
Ela espera que ele rasgue aquela lista e abrande um pouco aquele ritmo frenético, compulsivo que tem de viver, de trabalhar, de correr.
Pacientemente espera que ele repare nela.
Ela espera que ele um dia poise verdadeiramente nos seus olhos, ali, num momento qualquer do presente, onde quer que seja, à frente de todos.
E enquanto espera, sonha, canta, inventa histórias, chora, lava-se nas lágrimas, e faz a estrada de mãos dadas com a luz da solidão.
Ele nem se apercebe. Não a ouve nem a sente.
Chiiiuuuu... silêncio... que ela fala e tenta comunicar devagarinho.

Texto: Clara Marchana

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Sinceridade

Para ser sincera. Sem sorriso. Melancolia. Parece que sinto mais a vida, filigrana de cristal. Olho para as coisas já com saudade. Esmurraça-me. Fiquei comovida, ao ter olhado para o outro, que se manifesta triste com os outros, que pensa sozinho em voz alta, dizendo que se apercebe o quanto os outros se movem apenas pelo dinheiro. Depois toca piano devagar e baixinho, olhando para o vago em frente. Há pouco tinha tocado para a filha pequena, que está longe, através de uma webcam, um mini-recital para doze crianças da sua classe e a professora. Passou o dia anterior e a manhã seguinte a preparar- se para aquele momento. A filha fez-lhe um bolo para o Dia do Pai. As crianças olhavam para ele contentes, enquanto ele tocava, um pai pianista, bateram-lhe muitas palmas, pedindo-lhe para agradecer em forma de vénia. Ao final de cada peça que tocava, pediam-lhe que repetisse a vénia vezes e vezes sem conta. Ficaram contentes com um dia de aulas diferente. Eu escutava o p...

Amuada

  Quero ler mais. Não quero estar dependente de ecrãs, nem de notificações, nem mensagens automáticas dos serviços públicos, nem imagens e videos constantemente felizes, de realidades distantes, de casas ricas ou imagens do excelente profissional, cheio de trabalho e super requisitado, cheio de competências, nem de corridas competitivas, nem de prazos de candidaturas que cada vez mais requerem uma equipa cada vez maior e mais especializada em números, em economia, marketing e direito. Quero mais humano. Mais afetos. Mais empatia, compreensão amor, respeito, dádiva,  mais utopia. Mais liberdade para sonhar, sem ser invadida de pensamentos e listas de deveres e obrigações infindáveis para cumprir, que nunca mais acabam e que tendem a aumentar. Isto é mesmo para acabar com qualquer ser humano, este sistema cada vez mais máquina, mecânico, robótico, "algoritmico", numérico, mais rápido, competitivo, indiferente, especialista e destrutivo, exploratório de todas as mensagens de amo...

Eu quero andar à chuva

Será isso o que precisamos? Andar à chuva? Voltar a ser criança? Ou para quem não teve a oportunidade de o ser, sê-lo agora e relembrar tudo aquilo que o tempo o fez esquecer, ser livre. Texto: Clara Marchana “ Everybody 's Free (To Wear Sunscreen )” Music Video . 1999 - More amazing videos are a click away