1 historia por dia (ou por noite) # 10

Ela arrastou-se para o barco,
exausta, de tanta luta perdida,
tanto esforço, tão só.
Sentou-se num dos bancos,
e após alguns minutos a viagem iniciou.
O barco não estava cheio, como costuma estar às horas de ponta,
os olhos ardiam-lhe por ver demais, por tomar consciência das coisas,
o confronto com a derrota, com o erro, com o abandono,
fora sempre abandonada desde o inicio e ali estava ela uma vez mais abandonada pelo destino ou por uma escolha errada, ou um percurso que parecia não fazer mais sentido,
pelo mundo que a tinha esquecido, ou não era bem isso que queria explicar, o mundo nem sequer a conhecia, e ela própria não conhecia o mundo verdadeiramente, mas era assim que se sentia.
No pesadelo da noite passada,
estava a subir umas escadas e, no topo da escadas estava um homem. Enquanto subia, esta figura masculina ia ficando mais nítida, e quando se aproxima dele, este olha para ela, com um olhar não de homem, não de humano, mas parecia revelar-se a representação de uma entidade sombria e malévola, qual anjo negro, que lhe dirige a palavra,
diz-lhe que ela não vai conseguir subir até ali, e em vez disso vai cair daquelas escadas.
Ela não responde, olha-lhe apenas, e em segundos, um mar de emoções, ansiedades se desencadeou, pensamentos, escolhas, decisões, e sem hesitar, olha-o profundamente, querendo ver mais além, o que se esconderia por detrás de toda aquela figura, e o que restaria depois do medo e susto?
Assustar-se, fugir dali ou forçar-se a acordar, seria o seu primeiro impulso, mas surpreendentemente desta vez não, ficou a olhar, à espera do que poderia acontecer, em braço de ferro com aquela sombra, e depois responde-lhe por essa mesma ponte que são os seus olhos, sem pronunciar uma única palavra, mostra-lhe sem medo, que tal coisa não iria acontecer, e de facto não aconteceu. Este, em vez disso, começou a ficar pequeno, tão pequeno, que perdeu a importância que lhe tinha sido dada.
Ela acordou aliviada, sentia uma serenidade que ha muito esperava, uma serenidade que a libertava.
E agora sentada no barco, olhava pela janela, tinha a sensação de ter vencido uma batalha, qualquer coisa a assegurava, uma gota cintilante espreitava e ela sentia.

Texto: Clara Sofia

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