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Mensagens

A mostrar mensagens de março, 2010

1ª Lua cheia da Primavera

E eu para aqui escondida atrás das palavras.

"Poemacto"

(Ao Dia Mundial do Teatro, um poema de Herberto Helder) O actor acende a boca. Depois os cabelos. Finge a s suas caras nas poças interiores. O actor põe e tira a cabeça de búfalo. De veado. De rinoceronte. Põe flores nos cornos. Ninguém ama tão desalmadamente como o actor. O actor acende os pés e as mãos. Fala devagar. Parece que se difunde aos bocados. Bocado estrela. Bocado janela para fora. Outro bocado gruta para dentro. O actor toma as coisas para deitar fogo ao pequeno talento humano. O actor estala como sal queimado. O que rutila, o que arde destacadamente na noite, é o actor, com uma voz pura monotonamente batida pela solidão universal. O espantoso actor que tira e coloca e retira o adjectivo da coisa, a subtileza da forma, e precipita a verdade. De um lado extrai a maçã com sua divagação de maçã. Fabrica peixes mergulhados na própria labareda de peixes. Porque o actor está como a maçã. O actor é um peixe. Sorri assim o actor contra a face de Deus. Ornamenta Deus com simplicida...

Artesanato onírico

Inventa, cria as tuas próprias asas e voa. Quero criar as minhas, fazê-las à mão. Texto: Clara Marchana

Sorriso fértil no equinócio

Invadem-me as flores, que abençoada e tão esperada invasão, a primavera entra fiel, o verde em força derrete o gelo frio do branco inverno, a transformação da terra, a fertilidade faz um sorriso na doce mudança, e a expressão manifestada acolhe a mãe natureza, poderosa força a ser escutada com tanto silêncio e abertura. Texto: Clara Marchana

"Tarde com Sol"

As coisas simples dizem-se depressa; tão depressa que nem conseguimos que as oiçam. As coisas simples murmuram-se; um murmúrio tão baixo que não chega aos ouvidos de ninguém. As coisas simples escorrem pela prateleira da loja; tão ao de leve que ninguém as compra. As coisas simples flutuam com o vento; tão alto, que não se vêm. São assim as coisas simples: tão simples como o sol que bate nos teus olhos, para que os feches, e as coisas simples passem como sombra sobre as tuas pálpebras. Poema: Nuno Júdice Fotografia: Berenika

"...sedimentação dos saberes..."

" Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida uma outra onde se ensina o que não se sabe: chama-se a isso investiga r. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência: a de desaprender, de deixar de trabalhar o retocar imprevísivel que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que se atravessou. Essa experiência tem, creio, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na encruzilhada mesmo da sua etimologia: Sapientia : nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível." BARTHES, Roland, Œuvres complètes , Paris, Seuil, 2002 ( volume V , p. 446), numa tradução de Nuno Júdice in Colóquio Letras , Revista Quadrimes tra l , Fundação Calouste Gulbenkian, n.172, Setembro/Dezembro 2009 (p. 32).

"A tutte le donne"

a tutte le donne Fragile, opulenta donna, matrice del paradiso sei un granello di colpa anche agli occhi di Dio malgrado le tue sante guerre per l'emancipazione. Spaccarono la tua bellezza e rimane uno scheletro d'amore che però grida ancora vendetta e soltanto tu riesci ancora a piangere, poi ti volgi e vedi ancora i tuoi figli, poi ti volti e non sai ancora dire e taci meravigliata e allora diventi grande come la terra Alda Merini , poetisa e escritora italiana (1931-2009) "(sono una piccola ape furibonda) mi piace cambiare di colore. mi piace cambiare di misura."

Ela espera que ele um dia poise nos seus olhos

Ele vive o amor por ela como se fosse um maquinal funcionário público com a obsessão pela obrigação de cumprir uma infindável lista de deveres que ele próprio criou e todos os dias está mais cheia de palavras. Ela espera que ele rasgue aquela lista e abrande um pouco aquele ritmo frenético, compulsivo que tem de viver, de trabalhar, de correr. Pacientemente espera que ele repare nela. Ela espera que ele um dia poise verdadeiramente nos seus olhos, ali, num momento qualquer do presente, onde quer que seja, à frente de todos. E enquanto espera, sonha, canta, inventa histórias, chora, lava-se nas lágrimas, e faz a estrada de mãos dadas com a luz da solidão. Ele nem se apercebe. Não a ouve nem a sente. Chiiiuuuu... silêncio... que ela fala e tenta comunicar devagarinho. Texto: Clara Marchana

Depois afinal o vazio

Ausência. Ninguém. Nessuno. No one. Abraço vazio. E depois? Depois nada, não me assustei. O medo já nem sequer lá estava. Fiquei a saborear aquele momento sem nada nos bolsos, olhava o céu estrelado, era eu e apenas a roupa que tinha vestida, o cão nos braços, caminhava sem pensar, sem decidir, deixava-me guiar, prosseguir. O vazio assustou-me ao príncipio, mas depois, afinal foi bom. Texto: Clara Marchana