Avançar para o conteúdo principal

Amor cidade arqueológica


Tenho a sensação que o amor que se vive nesta cidade é arqueologia,
e ao mesmo tempo, um pouco amor marginal,
amor proibido, escondido,
amor esquecido, remoto,
que não respira, nem transpira.
Nos olhares que se cruzam, não há brilho,
o ar é profano, deturpado, cínico, enganador,
e para sobreviver é preciso ser esperto, falso, vendedor, prostituto,
a um tal ponto que se esqueceram de ver, de reparar na verdade do outro,
deixaram de se reconhecer entre si.
Aqui tudo se usa, tudo se confunde, tudo se vende, tudo pode servir para se chegar mais alto,
já ninguém é genuíno, ou devem ser poucos, como são poucas as relações genuínas.
Extingue-se a genuinidade, extingue-se a inocência, a espontaneidade,
amor em vias de extinção.
Na grande cidade-museu, na maior cidade arqueológica do mundo,
o amor tornou-se arqueológico,
enterrado,
marginalizado, fora da lei,
escondem-no porque se envergonham de o mostrar,
porque se sentem expostos ao ridículo
pensando que se o mostram, alguém passará por cima deles e se utilizará,
e de facto utilizam-se e passam uns por cima dos outros,
por isso entrou em extinção,
amor que se esforça por sair porque se quer manifestar,
mas não consegue,
amor revolta, amor sôfrego,
já poucos o vêem, já poucos o sentem.
Talvez um dia Roma se tornará a cidade do Amor,
como deveria ser o seu destino,
parece estar escrito no seu nome,
já todos reparámos, quando lemos a palavra Roma da direita para a esquerda,
está o Amor,
ou nada disto fará sentido?
Não poderia ser a cidade de Roma a cidade do Amor?
Que feliz coincidência seria.
Talvez, neste momento, toda esta estrada que se esteja a fazer, seja de grande importância
e seja verdadeiramente a maior estrada que os romanos jamais terão feito,
talvez um dia os opostos girarão,
e renascerá.
Mas por agora tudo aqui é ilusão, fumo,
não existe eco em nenhuma acção,
não existe resposta.
Espera-se.
E nesta enorme lista de espera, infelizmente, o amor também espera, espera pela sua vez, e não deveria.
O amor não deveria esperar, não tem de esperar,
deveria ser sempre convidado, sempre.
O amor, o primeiro a entrar, a sentar, a ser escutado, a ser atendido.

Texto: Clara Marchana

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Sinceridade

Para ser sincera. Sem sorriso. Melancolia. Parece que sinto mais a vida, filigrana de cristal. Olho para as coisas já com saudade. Esmurraça-me. Fiquei comovida, ao ter olhado para o outro, que se manifesta triste com os outros, que pensa sozinho em voz alta, dizendo que se apercebe o quanto os outros se movem apenas pelo dinheiro. Depois toca piano devagar e baixinho, olhando para o vago em frente. Há pouco tinha tocado para a filha pequena, que está longe, através de uma webcam, um mini-recital para doze crianças da sua classe e a professora. Passou o dia anterior e a manhã seguinte a preparar- se para aquele momento. A filha fez-lhe um bolo para o Dia do Pai. As crianças olhavam para ele contentes, enquanto ele tocava, um pai pianista, bateram-lhe muitas palmas, pedindo-lhe para agradecer em forma de vénia. Ao final de cada peça que tocava, pediam-lhe que repetisse a vénia vezes e vezes sem conta. Ficaram contentes com um dia de aulas diferente. Eu escutava o p...

Amuada

  Quero ler mais. Não quero estar dependente de ecrãs, nem de notificações, nem mensagens automáticas dos serviços públicos, nem imagens e videos constantemente felizes, de realidades distantes, de casas ricas ou imagens do excelente profissional, cheio de trabalho e super requisitado, cheio de competências, nem de corridas competitivas, nem de prazos de candidaturas que cada vez mais requerem uma equipa cada vez maior e mais especializada em números, em economia, marketing e direito. Quero mais humano. Mais afetos. Mais empatia, compreensão amor, respeito, dádiva,  mais utopia. Mais liberdade para sonhar, sem ser invadida de pensamentos e listas de deveres e obrigações infindáveis para cumprir, que nunca mais acabam e que tendem a aumentar. Isto é mesmo para acabar com qualquer ser humano, este sistema cada vez mais máquina, mecânico, robótico, "algoritmico", numérico, mais rápido, competitivo, indiferente, especialista e destrutivo, exploratório de todas as mensagens de amo...

Eu quero andar à chuva

Será isso o que precisamos? Andar à chuva? Voltar a ser criança? Ou para quem não teve a oportunidade de o ser, sê-lo agora e relembrar tudo aquilo que o tempo o fez esquecer, ser livre. Texto: Clara Marchana “ Everybody 's Free (To Wear Sunscreen )” Music Video . 1999 - More amazing videos are a click away